domingo, 1 de maio de 2011

A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - Resumo

João Guimarães Rosa

"A hora e vez de Augusto Matraga" é a última novela de Sagarana, obra de estréia de João Guimarães Rosa. O volume é composto por nove novelas ligadas entre si pelo espaço em que transcorrem as ações, focalizando o regional mineiro e captando os aspectos físicos, sociais e psicológicos do homem e do meio interiorano. "A hora e vez de Augusto Matraga" é considerada, por muitos críticos, a mais importante produção do escritor em Sagarana, tanto por sua estrutura narrativa quanto pelo tratamento da luta entre o bem e o mal, e todo o questionamento decorrente de uma tomada de consciência do homem optando por uma dessas forças.

1º Movimento – o Mal

"Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, da Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici". Augusto aparece como homem desregrado. Fazia questão de mostrar-se valentão, não se importando com a família – a mulher Dionora e a filha. Gostava de tirar mulher dos outros, de brigar de debochar. Vivia cercado de capangas. Com a morte do pai Afonsão, ficou ainda mais estouvado e sem regras: tinha dívidas enormes, faltava-lhe crédito, terras em desmando e política do lado errado.

Dionora amara o marido, "amara-o três anos, dois anos dera-os às dúvidas, e o suportara os demais. Agora, porém, tinha aparecido outro". Foge com Ovídio carregando a filha. O azar não pára aí, Augusto é abandonado por seus capangas. Resolve, antes de ir matar a mulher e o amante, enfrentar sozinho o seu maior inimigo, o Major Consilva.

Mas o Major piscou, apenas, e encolheu a cabeça, porque mais não era preciso, e os capangas pulavam de cada beirada, e eram só pernas e braços. (...) Já os porretes caíam em cima do cavaleiro, que nem pinotes de matrinxãs na rede. Pauladas na cabeça, nos ombros, nas coxas. Nhô Augusto desceu o corpo e caiu. Ainda se ajoelhou em terra, querendo firmar-se nas mãos, mas isso só lhe serviu para poder ver as caras horríveis dos seus próprios bate-paus, (...). Puxaram e arrastaram Nhô Augusto, pelo atalho do rancho do Barranco, que ficou sendo um caminho de pragas e judiação. (...) E quando chegaram ao rancho do Barranco, ao fim da légua, o Nhô Augusto já vinha quase que só carregado, meio nu, todo picado de faca, quebrado de pancadas e enlameado grosso, poeira com sangue. Empurraram-no para o chão, e ele nem se moveu. (...) Os jagunços veteranos da chácara do Major Consilva acenderam seus cigarros, com descanso, mal interessados na execução. Mas os quatro que tinham sido bate-paus de Nhô Augusto mostravam maior entusiasmo. (...) E, aí, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com a marca do gado do Major – que soía ser um triângulo inscrito numa circunferência - e imprimiram-na, com chiado, chamusco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto.

O corpo dele rolou e atirou-se no fundo de um barranco.

2º Movimento – "Para o céu eu vou, nem que seja a porrete!"

Praticamente morto, Matraga foi recolhido por um casal de negros que vivia no lugar. Aconselhado por eles, busca um padre, confessa sua vida, medita sobre a mulher, a filha, pensa em tudo de ruim que já fez. Agora está decidido: "- Eu vou pra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... Pra o céu eu vou, nem que seja a porrete!..."

Com os negros, foi morar num sítio, única coisa que restava a Augusto. Começou a viver para ajudar os outros. Capinava para ele mesmo e para os vizinhos, pouco conversava. Murmurava as frases finais do padre – "Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há-de ter a sua". Não fumava mais, não bebia, não olhava para as mulheres. Cada dia esquecia mais a sua vergonha.

Mas, como tudo é mesmo muito pequeno, e o sertão ainda é menor, houve que passou por lá um conhecido velho de Nhô Augusto – o Tião da Tereza – procura de trezentas reses de uma boiada brava, que se desmanchara nos gerais do alto Urucaia, estourando pelos cem caminhos sem fim do chapadão.

Tião da Tereza ficou bobo de ver Nhô Augusto. E, como era casca-grossa, foi logo dando as notícias que ninguém não tinha pedido: a mulher, Dona Dionora, continuava amigada com seu Ovídio, muito de-bem os dois, com tenção até em casamento de igreja, por pensarem que ela estava desimpedida de marido; com a filha, sim, é que fora uma tristeza: crescera sã e encorpara uma mocinha muito linda, mas tinha caído na vida, seduzida por um cometa, que a levara do arraial, para onde não se sabia... O Major Consilva prosseguia mandando no Murici, e arrematara as duas fazendas de Nhô Augusto... Mas o mais mal-arrumado tinha sido o Quim, seu antigo camarada, o pobre do Quim Recadeiro - "Se alembra?" - Pois o Quim tinha morrido de morte-matada com mais de vinte balas no corpo, por causa dele, Nhô Augusto: quando soube que seu patrão tinha sido assassinado, de mando do Major, não tivera dúvida - ...jurou desforra, beijando a garrucha, e não esperou café coado! Foi cuspir no canguçu detrás da moita, e ficou morto, mas já dentro da sala-de-jantar do Major, e depois de matar dois capangas e ferir mais um...

A tristeza invade Augusto, mas algo nele começa a reavivar o homem forte, ao lado do humilde que vivia pacificamente, pregando o bem. "Até que, pouco a pouco, devagarinho, imperceptível, alguma cousa pegou a querer voltar para ele, a crescer-lhe do fundo para fora, sorrateira como a chegada do tempo das águas, que vinha vindo paralela (...), Nhô Augusto agora tinha muita fome e muito sono. O trabalho entusiasmava e era leve. Não tinha precisão de enxotar as tristezas. Não pensava nada..."

Certo dia, chega ao reduto de Matraga o bando do temido Joãozinho Bem-Bem. O povo não se mexia de tão apavorado, mas Nhô Augusto acolhe-os e os trata com hospitalidade.

Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu também, dois goles, e pediu uma dos papo-amarelo, para ver:

— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...

— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...

— Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...

Fez fogo.

— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!

Mas, nesse tento, Nhô Augusto tornou a fazer pelo-sinal e entrou num desânimo, que não o largou mais.

Ressurge em Matraga o valente que ele procurava esquecer. Quando Joãozinho Bem-Bem está de partida, convida-o para acompanhá-lo, fazer parte do bando. "Ah, que vontade de aceitar e ir também..." Matraga vence a tentação, recusa com o coração partido. "E, à noite, tomou um trago sem ser por regra, o que foi bem bom, porque ele já viajou, do acordado para o sono, montando num sonho bonito, no qual havia um Deus valentão, o mais solerte de todos os valentões, assim parecido com seu Joãozinho Bem-Bem, e que o mandava ir brigar, só para lhe experimentar a força, pois que ficava lá em-cima, sem descuido, garantindo tudo".

3º Movimento: "Cada um tem a sua hora e a sua vez..."

Recuperado fisicamente, Augusto Matraga resolve sair de seu reduto, caminhar a fim de encontrar sua hora. Caminha sem destino, quando chega a lugarejo em que, por coincidência estavam Joãozinho Bem-Bem e seu bando prontos para executar uma família, para se vingarem da morte de um capanga. O velho chefe da família, pede, implorando para que só ele morra. Mas Bem-Bem se recusa a aceitar o pedido do velho, alegando ser regra... "Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente sua, morta de traição?... É regra."

Augusto interfere, opondo-se à vingança. Há um duelo em que Joãozinho Bem-Bem e Augusto Matraga saem mortos. Morrem como irmãos, Joãozinho dizendo:

— Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci!... Eu sempre lhe disse que era bom mesmo, mano velho... é só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos...

— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é pra gente poder ir junto...

Mas, seu Joãozinho Bem-Bem, quando respirava, as rodilhas dos intestinos subiam e desciam. Pegou a gemer. Estava no entorcer do fim. E, como teimava em conversar, apressou ainda mais a despedida. E foi mesmo.

No que restou de sua vida, Matraga é reconhecido por um primo.

Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.

Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido:

— Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionora... Fala com a Dionora que está tudo em ordem!

Depois morre.

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