sexta-feira, 6 de maio de 2011

A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

O conto - A hora e a vez de Augusto Matraga - já se encontra na integra no grupo yahoo:
http://br.groups.yahoo.com/group/colegiosetorleste/

terça-feira, 3 de maio de 2011

F r i e d r i c h N i e t z s c h e

C R E P Ú S C U L O D O S Í D O L O S
(ou como filosofar com o martelo)


PREFÁCIO

Conservar a sua serenidade frente a algo sombrio, que requer responsabilidade além de toda medida, não é algo que exige pouca habilidade: e, no entanto, o que seria mais necessário do que a serenidade?

Nada chega efetivamente a vingar, sem que a altivez aí tome parte. Somente um excedente de força é demonstração de força. - Uma transvaloração de todos os valores, este ponto de interrogação tão negro,
tão monstruoso, que chega até mesmo a lançar sombras sobre quem o instaura - um tal destino de tarefa nos obriga a todo instante a correr para o sol, a sacudir de nós mesmos uma seriedade que se tomou pesada, por demais pesada. Qualquer meio para tanto é correto, qualquer "caso", um golpe de sorte.
Sobretudo a guerra. A guerra sempre foi a grande prudência de todos os espíritos que se tornaram por demais ensimesmados, por demais profundos; a força curadora está no próprio ferimento. Uma sentença, cuja origem mantenho oculta frente à curiosidade douta, tem sido há muito meu lema:
increscunt animi, virescit volnere virtus.1
Uma outra convalescença, que sob certas circunstâncias é para mim ainda mais desejável, consiste em auscultar os ídolos... Há mais ídolos do que realidades no mundo: este é o meu "mau olhado" em relação a esse mundo, bem como meu "mau ouvido"... Há que se colocar aqui ao menos uma vez questões com o martelo, e, talvez, escutar como resposta aquele célebre som oco, que fala de vísceras intumescidas - que encanto para aquele que possui orelhas por detrás das orelhas! - para mim, velho psicólogo e caçador de ratos que precisa fazer falar em voz alta exatamente o que gostaria de permanecer em silêncio...
Também este escrito - o título o denuncia - é antes de tudo um repouso, um feixe de luz solar, uma escorregadela para o seio do ócio de um psicólogo. Talvez mesmo uma nova guerra? E novos ídolos são auscultados?.. Este pequeno escrito é uma grande declaração de guerra; e no que concerne à ausculta dos ídolos, é importante ressaltar que os que estão em jogo, os que são aqui tocados com o martelo como com um diapasão, não são os ídolos em voga, mas os eternos; - em última análise, não há e forma alguma ídolos mais antigos, mais convencidos, mais insuflados... Também não há de forma alguma ídolos mais ocos... Isto não impede, que eles sejam aqueles em que mais se acredita; diz-set ambém, sobretudo no caso mais nobre, : que eles não são de modo algum ídolos...
Turim, 30 de setembro de 1888, no dia em que chegou ao fim o primeiro livro da Transvaloração de todos os valores.
Friedrich Nietzsche

SENTENÇAS E SETAS
1.
O ócio é o começo de toda psicologia. Como? A psicologia seria um - vício?

2.
Mesmo o mais corajoso de nós poucas vezes tem coragem para o que propriamente sabe...

3.
Para viver sozinho, é preciso ser um animal ou um deus - diz Aristóteles. Falta ainda a terceira alternativa: é preciso ser os dois ao mesmo tempo - Filósofo... Os espíritos crescem e a virtude floresce, à medida que é ferida. (N.T.)

4.
"Toda verdade é simples (unívoca)". - Isto não é duplamente uma mentira?2 -

5.
De uma vez por todas, não quero saber muitas coisas. - A sabedoria também traz consigo os limites do conhecimento.

6.
É em nossa natureza selvagem que melhor nos restabelecemos de nosso movimento antinatural, de nossa espiritualidade...

7.
Como? O homem é apenas um erro de Deus? Ou Deus apenas um erro do homem? -

8.
Da Escola de Guerra da Vida - o que não me mata torna-me mais forte.

9.
Ajuda-te a ti mesmo: assim todos te ajudarão. Princípio do amor ao próximo.

10.
Que não se venha a cometer nenhuma covardia contra as próprias ações! Que não as abandonemos em seguida! O remorso é indecente.

11.
Um asno pode ser trágico? - Há como perecer sob um peso que não se pode nem carregar, nem lançar fora?... O caso do filósofo.

12.
Quando se possui o "por quê?" da vida, então se suporta quase todo "como?". - O homem não aspira à felicidade; somente o inglês o faz.

13.
O homem criou a mulher. A partir de que porém? De uma costela de seu Deus - de seu "Ideal"...


14.
O quê? Tu procuras? Tu gostarias de te decuplicar, de te centuplicar? Tu procuras adeptos? - Procuras zeros! -

15.
Os homens póstumos - eu, por exemplo - são pior compreendidos do que os homens ligados ao seu próprio tempo, mas melhor ouvidos. Mais exatamente: nunca somos compreendidos e é daí que provém nossa autoridade...

16.
Jogo de palavras praticamente intraduzível: o termo "simples" em alemão significa literalmente o que só possui um setor (ein-fach). Duplo por sua vez diz-se 'zwie-fach': o que possui dois setores. Para acompanhar minimamente o intuito do texto, inserimos o termo "unívoco" entre parênteses. Entre mulheres - "A verdade? Oh, vós não conheceis a verdade! Afinal, a verdade não é um atentado contra todos os nossos pudores?" -

17.
Eis aí um artista como aprecio: modesto em suas necessidades. Só quer efetivamente duas coisas: seu pão e sua arte, - panem et Circen3...

18.
Quem não sabe colocar sua vontade nas coisas ainda insere nelas ao menos um sentido: isto é, crê que uma vontade já esteja nelas (princípio da "fé").

19.
Como? Vós escolhesses a virtude e o peito estufado, mas olhais ao mesmo tempo invejosamente para as vantagens dos inescrupulosos? Com a virtude renuncia-se contudo às "vantagens"... (escrito na porta da casa de um anti-semita.)

20.
A mulher perfeita pratica a literatura como pratica um pecadilho: a título de experiência, de passagem, olhando em torno de si para ver se alguém a nota e a fim de que alguém a note...

21.
Não devemos nos inserir senão em situações nas quais não é permitido ter nenhuma virtude aparente; nas quais, como o funâmbulo sobre a sua corda, ou caímos ou nos mantemos - ou o que vier daí...

22.
"Homens maus não possuem canções". - Como acontece de os russos possuírem canções?

23.
"O Espírito Alemão": há dezoito anos uma contradictio in adjecto.

24.
À medida que buscamos as origens, vamos nos tornando caranguejos. O historiador olha para trás; até que finalmente também acredita para trás.

25.
A satisfação protege até mesmo contra resfriados. Uma mulher que se soubesse bem vestida teria alguma vez se resfriado? Trago à baila o caso em que ela quase não estava vestida.

26.
Desconfio de todos os sistemáticos e me afasto de seus caminhos. A vontade de sistema é uma falta de retidão.

27.
Considera-se a mulher profunda. - Por quê? Porque nela nunca se chega ao fundo. A mulher não é nem mesmo rasa.

28.
Pão e circo (Nota do Pirateador)
Quando a mulher possui virtudes masculinas, não nos resta senão nos evadirmos; e quando ela não possui nenhuma virtude masculina, ela mesma se evade.

29.
"Outrora, quanto a consciência tinha de morder? Que bons dentes ela possuía? E hoje? Quantos lhe faltam?" Pergunta de um dentista.

30.
Raramente cometemos uma única precipitação. Na primeira precipitação faz-se sempre demais. Exatamente por isso comete-se habitualmente ainda uma segunda. - Daí por diante faz-se então muito pouco...

31.
O verme se enconcha quando é chutado. Essa é a sua astúcia. Ele diminui com isso a probabilidade de ser novamente chutado. Na língua da moral: humildade. -

32.
Há um ódio à mentira e à dissimulação que nasce de uma apreensão sensível da honra. Há um ódio exatamente como esse que nasce da covardia, visto que a mentira é proibida por um mandamento divino. Covarde demais para mentir...

33.
Quão poucas coisas são necessárias para a felicidade! O som de uma gaita. - Sem música a vida seria um erro. O alemão imagina Deus cantando canções.

34.
On ne peut penser et écríre qu'assis4 (G. Flaubert). É assim que te pego, Niilista! A pachorra é justamente o pecado contra o Espírito Santo. Só os pensamentos que surgem em movimento têm valor.

35.
Há casos em que somos como cavalos, nós psicólogos, e permanecemos inquietos: vemos nossas próprias sombras oscilando diante de nós para cima e para baixo. O psicólogo precisa abstrair-se de si, a fim de que seja acima de tudo capaz de ver.

36.
Se nós imoralistas fazemos mal à virtude? Tão pouco quanto os anarquistas fazem mal aos príncipes. Somente depois de lhes ter alvejado é que estes se sentam firmemente em seus tronos. Moral: é preciso alvejar a moral.

37.
Tu corres à frente? Tu fazes isto como pastor? Ou como exceção? Um terceiro caso seria o desertor... Primeiro caso de consciência.

38.
Tu és autêntico? Ou apenas um ator? Um representante? Ou o próprio representado? Por fim, talvez tu não passes da imitação de um ator... Segundo caso de consciência.

39.
4 Só se pode pensar e escrever sentado. Fala o desiludido. Eu procurei por grandes homens, mas sempre encontrei apenas os macacos de seu ideal.

40.
Tu és alguém que observa? Ou que coloca as mãos à obra? - Ou que desvia o olhar e se põe de lado?... Terceiro caso de consciência.

41.
Tu queres acompanhar? Ou ir à frente? Ou ir por sua própria conta?... É preciso saber o que se quer e que se quer. Quarto caso de consciência.

42.
Estes eram degraus para mim. Servi-me deles para subir e precisei então passar por cima deles. Mas eles pensavam que queria aquietar-me sobre eles...

43.
O que importa que eu tenha razão?!?! Eu tenho por demais razão. E quem hoje ri melhor também ri por último.

44.
A fórmula de minha felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta...

domingo, 1 de maio de 2011

A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - Resumo

João Guimarães Rosa

"A hora e vez de Augusto Matraga" é a última novela de Sagarana, obra de estréia de João Guimarães Rosa. O volume é composto por nove novelas ligadas entre si pelo espaço em que transcorrem as ações, focalizando o regional mineiro e captando os aspectos físicos, sociais e psicológicos do homem e do meio interiorano. "A hora e vez de Augusto Matraga" é considerada, por muitos críticos, a mais importante produção do escritor em Sagarana, tanto por sua estrutura narrativa quanto pelo tratamento da luta entre o bem e o mal, e todo o questionamento decorrente de uma tomada de consciência do homem optando por uma dessas forças.

1º Movimento – o Mal

"Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, da Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici". Augusto aparece como homem desregrado. Fazia questão de mostrar-se valentão, não se importando com a família – a mulher Dionora e a filha. Gostava de tirar mulher dos outros, de brigar de debochar. Vivia cercado de capangas. Com a morte do pai Afonsão, ficou ainda mais estouvado e sem regras: tinha dívidas enormes, faltava-lhe crédito, terras em desmando e política do lado errado.

Dionora amara o marido, "amara-o três anos, dois anos dera-os às dúvidas, e o suportara os demais. Agora, porém, tinha aparecido outro". Foge com Ovídio carregando a filha. O azar não pára aí, Augusto é abandonado por seus capangas. Resolve, antes de ir matar a mulher e o amante, enfrentar sozinho o seu maior inimigo, o Major Consilva.

Mas o Major piscou, apenas, e encolheu a cabeça, porque mais não era preciso, e os capangas pulavam de cada beirada, e eram só pernas e braços. (...) Já os porretes caíam em cima do cavaleiro, que nem pinotes de matrinxãs na rede. Pauladas na cabeça, nos ombros, nas coxas. Nhô Augusto desceu o corpo e caiu. Ainda se ajoelhou em terra, querendo firmar-se nas mãos, mas isso só lhe serviu para poder ver as caras horríveis dos seus próprios bate-paus, (...). Puxaram e arrastaram Nhô Augusto, pelo atalho do rancho do Barranco, que ficou sendo um caminho de pragas e judiação. (...) E quando chegaram ao rancho do Barranco, ao fim da légua, o Nhô Augusto já vinha quase que só carregado, meio nu, todo picado de faca, quebrado de pancadas e enlameado grosso, poeira com sangue. Empurraram-no para o chão, e ele nem se moveu. (...) Os jagunços veteranos da chácara do Major Consilva acenderam seus cigarros, com descanso, mal interessados na execução. Mas os quatro que tinham sido bate-paus de Nhô Augusto mostravam maior entusiasmo. (...) E, aí, quando tudo esteve a ponto, abrasaram o ferro com a marca do gado do Major – que soía ser um triângulo inscrito numa circunferência - e imprimiram-na, com chiado, chamusco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto.

O corpo dele rolou e atirou-se no fundo de um barranco.

2º Movimento – "Para o céu eu vou, nem que seja a porrete!"

Praticamente morto, Matraga foi recolhido por um casal de negros que vivia no lugar. Aconselhado por eles, busca um padre, confessa sua vida, medita sobre a mulher, a filha, pensa em tudo de ruim que já fez. Agora está decidido: "- Eu vou pra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... Pra o céu eu vou, nem que seja a porrete!..."

Com os negros, foi morar num sítio, única coisa que restava a Augusto. Começou a viver para ajudar os outros. Capinava para ele mesmo e para os vizinhos, pouco conversava. Murmurava as frases finais do padre – "Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há-de ter a sua". Não fumava mais, não bebia, não olhava para as mulheres. Cada dia esquecia mais a sua vergonha.

Mas, como tudo é mesmo muito pequeno, e o sertão ainda é menor, houve que passou por lá um conhecido velho de Nhô Augusto – o Tião da Tereza – procura de trezentas reses de uma boiada brava, que se desmanchara nos gerais do alto Urucaia, estourando pelos cem caminhos sem fim do chapadão.

Tião da Tereza ficou bobo de ver Nhô Augusto. E, como era casca-grossa, foi logo dando as notícias que ninguém não tinha pedido: a mulher, Dona Dionora, continuava amigada com seu Ovídio, muito de-bem os dois, com tenção até em casamento de igreja, por pensarem que ela estava desimpedida de marido; com a filha, sim, é que fora uma tristeza: crescera sã e encorpara uma mocinha muito linda, mas tinha caído na vida, seduzida por um cometa, que a levara do arraial, para onde não se sabia... O Major Consilva prosseguia mandando no Murici, e arrematara as duas fazendas de Nhô Augusto... Mas o mais mal-arrumado tinha sido o Quim, seu antigo camarada, o pobre do Quim Recadeiro - "Se alembra?" - Pois o Quim tinha morrido de morte-matada com mais de vinte balas no corpo, por causa dele, Nhô Augusto: quando soube que seu patrão tinha sido assassinado, de mando do Major, não tivera dúvida - ...jurou desforra, beijando a garrucha, e não esperou café coado! Foi cuspir no canguçu detrás da moita, e ficou morto, mas já dentro da sala-de-jantar do Major, e depois de matar dois capangas e ferir mais um...

A tristeza invade Augusto, mas algo nele começa a reavivar o homem forte, ao lado do humilde que vivia pacificamente, pregando o bem. "Até que, pouco a pouco, devagarinho, imperceptível, alguma cousa pegou a querer voltar para ele, a crescer-lhe do fundo para fora, sorrateira como a chegada do tempo das águas, que vinha vindo paralela (...), Nhô Augusto agora tinha muita fome e muito sono. O trabalho entusiasmava e era leve. Não tinha precisão de enxotar as tristezas. Não pensava nada..."

Certo dia, chega ao reduto de Matraga o bando do temido Joãozinho Bem-Bem. O povo não se mexia de tão apavorado, mas Nhô Augusto acolhe-os e os trata com hospitalidade.

Nhô Augusto, depois de servir a cachaça, bebeu também, dois goles, e pediu uma dos papo-amarelo, para ver:

— Não faz conta de balas, amigo? Isto é arma que cursa longe...

— Pode gastar as oito. Experimenta naquele pássaro ali, na pitangueira...

— Deixa a criaçãozinha de Deus. Vou ver só se corto o galho... Se errar, vocês não reparem, porque faz tempo que eu não puxo dedo em gatilho...

Fez fogo.

— Mão mandona, mano velho. Errou o primeiro, mas acertou um em dois... Ferrugem em bom ferro!

Mas, nesse tento, Nhô Augusto tornou a fazer pelo-sinal e entrou num desânimo, que não o largou mais.

Ressurge em Matraga o valente que ele procurava esquecer. Quando Joãozinho Bem-Bem está de partida, convida-o para acompanhá-lo, fazer parte do bando. "Ah, que vontade de aceitar e ir também..." Matraga vence a tentação, recusa com o coração partido. "E, à noite, tomou um trago sem ser por regra, o que foi bem bom, porque ele já viajou, do acordado para o sono, montando num sonho bonito, no qual havia um Deus valentão, o mais solerte de todos os valentões, assim parecido com seu Joãozinho Bem-Bem, e que o mandava ir brigar, só para lhe experimentar a força, pois que ficava lá em-cima, sem descuido, garantindo tudo".

3º Movimento: "Cada um tem a sua hora e a sua vez..."

Recuperado fisicamente, Augusto Matraga resolve sair de seu reduto, caminhar a fim de encontrar sua hora. Caminha sem destino, quando chega a lugarejo em que, por coincidência estavam Joãozinho Bem-Bem e seu bando prontos para executar uma família, para se vingarem da morte de um capanga. O velho chefe da família, pede, implorando para que só ele morra. Mas Bem-Bem se recusa a aceitar o pedido do velho, alegando ser regra... "Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente sua, morta de traição?... É regra."

Augusto interfere, opondo-se à vingança. Há um duelo em que Joãozinho Bem-Bem e Augusto Matraga saem mortos. Morrem como irmãos, Joãozinho dizendo:

— Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci!... Eu sempre lhe disse que era bom mesmo, mano velho... é só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos...

— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é pra gente poder ir junto...

Mas, seu Joãozinho Bem-Bem, quando respirava, as rodilhas dos intestinos subiam e desciam. Pegou a gemer. Estava no entorcer do fim. E, como teimava em conversar, apressou ainda mais a despedida. E foi mesmo.

No que restou de sua vida, Matraga é reconhecido por um primo.

Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento.

Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido:

— Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionora... Fala com a Dionora que está tudo em ordem!

Depois morre.